Essa é uma região com uma rica tradição cultural e uma história milenar. O contraste entre o Egito e os outro países da Africa que passamos é forte. Claramente o país é mais desenvolvido economicamente, o Cairo uma metrópole cosmopolita e caótica. Um detalhe me chamou a atenção: na nossa jornada da Africa do Sul até o Egito, passando pelo Zimbabwe, Kenya e Tanzania, os únicos lugares onde vimos McDonald's foram justamente nesse dois extremos, em Johannesburg e no Cairo. Os M's amarelos formando um parênteses do mundo globalizado e americanizado, ao sul e ao norte, em torno de um "buraco negro" africano, ou um "Dark Star" como Paul Theroux chama essa terra perdida no excelente livro que estou lendo.
Para mim esse "buraco negro" é um grande exemplo de como o nosso atual modelo de desenvolvimento pode falhar. Um continente inteiro, o berço da humanidade, onde o ser humano viveu por milênios em culturas tribais em equilíbrio com o seu meio natural, foi forçado violentamente pelo expansionismo imperialista e colonialista a entrar na corrida maluca do jogo econômico. Claro, a vida tribal era dura, como pudemos experienciar algumas vezes na nossa jornada, mas certamente não se precisava discutir "sustentabilidade". Na primeira metade do século vinte o colonialismo até parecia um caminhos promissor. Mas assim que o movimento nacionalista foi levando os países africanos a independência, a partir da década de 60, o que se seguiu foi uma seqüência de catástrofes pelas quais a África ficou famosa. Alguém lembra da frase surreal que se repetia na mídia internacional, ao mostrar os sobreviventes da fome e dos genocídios: "e esses são os que tiveram sorte"?
Hoje nesse "buraco negro", no qual vivem quase um bilhão de pessoas, temos cidades inchando mais e mais, parecendo grandes favelas, em meio a áreas rurais, nas quais a natureza era exuberante, mas que agora não passam de grandes campos desmatados. As pessoas, com sua rica cultura tradicional fragmentada pelo colonialismo, muitas vezes vagam perdidas em busca de sentido, apesar de que algumas ainda expressam com orgulho a beleza das suas raízes. Ao percorrer essas paisagens, de vez enquanto encontramos os parques nacionais, pedaços de terra não muito grandes, cercados com seus leões e girafas, para que os turistas com suas bazuca fotográficas, possam ter uma "verdadeira experiência da África". As crianças descalças e empoiradas, correndo aos montes pelas vilas à beira da estrada são normalmente ignoradas. Bom, se isso não é um exemplo de falha de um modelo de desenvolvimento, não sei o que é. Onde mesmo queremos chegar com essa corrida maluca?
Devolta ao ônibus, a paisagem mudou bastante. Pela janela não vejo nada além de um mar alaranjado de areia até o horizonte. A mudança da selva de concreto para a o mar se areia foi gradual... Primeiro passamos por algumas plantações e coqueiros, ainda no vale do Nilo, em meio a casas e pequenos prédios. Depois a areia começa a aparecer, ainda com casas, muros e torres de alta tenção visíveis, até que finalmente o deserto se torna onipresente, cortado apenas pela faixa de asfalto que seguimos até o infinito.
Pegar esse ônibus também se mostrou um aprendizado interessante. Chegamos de manhã cedo na "Cairo Gateway Station", um moderno terminal de ônibus, bastante organizado, não muito diferente da rodoviária do Tietê em São Paulo. Incomparável com qualquer um dos pátios a céu aberto, cheios de lixo e vendedores ambulantes, que são as "rodoviárias" nas cidades africanas. Chegamos a nosso portão de embarque e entramos no ônibus relativamente novo, apesar de meio sujo. Estava surpreendentemente vazio. Além de nós havia mais três estrangeiras acompanhadas de uma guia, e apenas dois locais com roupa típica (bata longa e turbate). A Narjara até se perguntou como a companhia de ônibus não ficava no prejuízo assim.
O ônibus saiu da rodoviária e não demorou muito para termos a nossa resposta. Demos algumas voltas pelo transito anárquico - no Cairo, com seus 20 milhões de habitantes, não há semáforos nem faixas de pedestre. Logo o motorista manobrou em apertadas ruazinhas em baixo de um viaduto. Ao lado vimos um estacionamento de vans, e em meio a vendedores de rua e guiches em barraquinhas, com o viaduto como teto, estava a verdadeira rodoviária. Estacionamos em meio a bagunça, ao som de buzinas e pessoas gritando. Logo o ônibus estava cheio de Egipsios e seguimos novamente em direção ao deserto.
Mas não consegui tirar a rodoviária sob o viaduto da cabeça. Fiquei refletindo para que serve então a chique e cara estação de ônibus nova? Apenas meia duzia de turistas pegou o ônibus lá! A famosa expressão brasileira "para inglês ver", ficou ainda mais clara para mim, com um sentido quase literal aqui. As pessoas locais me pareceram bastante satisfeitas com a rodoviária em baixo do viaduto, e o sistema parece funcionar bem. Mas o Egito sendo um pais bastante turístico, parece precisar de estação para os "inglêses". O mesmo acontece com os trens, que tem vagões especiais. Não que eu tenha algo contra a nova estação, mas esse fato curioso me fez divagar.
Isso me levou de volta a reflexão sobre o colonialismo, e mais ainda sobre processo que está por traz. Se olharmos um pouco mais fundo, além da visão simplista e dualista freqüente entre ativistas sociais menos informados, que enxerga os "imperialistas ocidentais do mal", vemos que em sua maioria os colonizadores acreditavam que estavam realmente fazendo o bem. Motivados pela moral cristã, estavam levando os avanços da civilização e salvando os selvagens das trevas. Realmente acredito que além dos interesses econômicos expancionistas, existia uma certa boa intensão por traz da colonização, e que a recente história da África não se fez apenas de perversa exploração. Mas como muitos dos nossos problemas hoje, o perigo esta na visão unilateral, onde os colonizadores europeus enxergavam apenas a sua realidade, que naturalmente viam como boa. Na falta de um diálogo verdadeiro, não conseguiam se colocar no sapato do outro. Não enxergavam qual era a realidade dos nativos, e o que eles viam como bom. Será mesmo que os africanos em suas tribos queriam deixar a sua vida de subsistência para ganhar dinheiro e pagar impostos? Alguém perguntou para eles?
Quanta energia investimos na corrida maluca do desenvolvimento econômico, apenas para inglês ver, sem significado real para quem está investindo? O que é realmente necessário para sermos felizes? Lembro dos muitos agricultores familiares e moradores de vilarejos que conhecemos em nossas andanças, que em sua simplicidade muitas vezes me pareceram mais felizes que os estressados urbanóides aprisionados na corrida maluca. Mas a pergunta que mais me persegue é: Quantas vezes estou eu no papel do "inglês", achando que tenho a solução e a resposta para os outros, e com a maior das boas intenções, quero impor a minha verdade sobre o mundo?!?
Thomas
9 de Maio de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário