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segunda-feira, 21 de maio de 2012

Mais amor, por favor.

Meu coração transborda de tanto amor que mal consigo conter as lágrimas que escorrem pelo meu rosto. Algumas experiências fazem a vida valer a pena e hoje vivemos uma dessas experiências.

O Egito tem sido uma experiência tão contraditória, quanto o deserto do Sahara e o vale fértil do Nilo. Desde que chegamos aqui, há quase um mês, as emoções me levaram da raiva ao infinito amor, as vezes no mesmo dia, viajamos do mais remoto passado da humanidade até a contemporaneidade de nossos dias, do Cairo a península do Sinai, do Sahara ao delta do Nilo.

Mergulhamos profundamente na vida dos faraos pelos grandiosos templos e tumbas, vivemos a rotina do islã e entendemos mais seu significado e princípios, exploramos os bastidores da revolução política-social encontrando pessoas e sentindo a magia do movimento por trás das cenas, experimentamos as condições extremas do deserto, a abundância da vida navegando pelo Nilo e a incrível beleza do mar vermelho. Vivemos o pior do turismo e o mais extraordinário da hospitalidade egípcia.

A parte histórica do Egito é impressionante e de muito valor para a humanidade, mas isso foi o passado desse país e não o que ele é hoje. Infelizmente a maior parte das pessoas chega ao Egito, vê a parte histórica e vai embora, e assim não dá para experimentar o que o Egito realmente é. Talvez isso aconteça em parte porque muitas agências alarmam as pessoas com todos os 'perigos' que o Egito tem e recomendam que façam tudo com pacotes e guias. Isso também aconteceu com a gente, mas... resolvemos arriscar a fazer diferente e valeu muito a pena.

O que encontramos foi um país de pessoas alegres e hospitaleiras, que adoram receber turistas, e que estão lutando por um país democrático e um futuro melhor para seus filhos. Um povo que acredita e honra Alah acima de tudo, e por outro lado, que sobrevive, desde tempos remotos, de seu turismo e até por isso vem praticando a arte de enganar turistas há milênios.

Após a revolução, há mais de dois anos, a vida aqui não tem sido fácil, a luta pela democracia tem sido vitoriosa em alguns aspectos, mais ainda longe da glória. A maior parte dos egípcios tem sofrido mais do que prosperado e com a proximidade das eleições a tensão aumenta com a incerteza do futuro, um futuro que estão determinados a alcançar custe o que custar.

E por tudo isso, um país que recebia milhões de turistas todo ano, nesses últimos dois anos tem recebido bem poucos, e os poucos viajantes independentes acabam sofrendo o impacto da escassez, que tornou a sobrevivência de muitos que dependiam do turismo, bem mais desafiadora.

Conosco não foi diferente, sentimos esse impacto desde que chegamos, uma mistura de tristeza e compaixão pela situação, e por outro lado raiva pelas mentiras e explorações a que fomos submetidos. Todos ao nosso redor querem tirar algum proveito da nossa presença, seja vendendo coisas, serviços ou ganhando comissão por informações, fotos ou indicações, nos deixando numa corda bamba entre seguir abertos as pessoas e confiando, e fechar completamente, desconfiando de todos que se aproximam.

Já vivemos os dois extremos e agora estamos em busca da inocência sem ingenuidade, o caminho do meio, mas não tem sido fácil conviver com tantas máscaras e interesses que ferem meus princípios mais fundamentais.

E a contradição egípcia foi se acentuando a medida que mergulhamos mais profundamente na cultura, conhecendo pessoas especiais que nos acolheram genuinamente, mostrando o lado hospitaleiro dos egípcios e convivendo com o mundo do turismo.

Voltando para Luxor, estávamos nos preparando para partir e resolvemos enviar algumas coisas para o Brasil para esvaziar um pouco a mochila, mas no correio de Luxor nossa experiência foi igual a de uma loja de souvinir, uma fila de egípcios e nós fomos convidado a entrar, sentar e até chá nos ofereceram. Algo 'cheirava mal', perguntei o preço algumas vezes sem resposta, nos ajudaram a embalar todas as coisas, assim como fazem na loja quando perguntamos o preço de algo, o que faz parte da pressão final para a compra. E depois de tudo pronto nos disseram um preço três vezes maior do que nos tinham dito há dois dias.

Que triste que nem no correio podemos confiar nesse país, pensei, não surpresa, mas decepcionada, confesso. Ele negociou o preço com a gente, mas decidimos ir embora por princípio. Não contente, ele veio correndo atrás de nós para dizer que havia se enganado e o preço era outro, ainda menor, o real valor.

Com um sentimento de impotência, frustração e raiva, decidimos comer para esfriar a cabeça e pensar o que fazer, nesse momento pedi a Deus, com todo meu coração, que encontrássemos alguém em quem pudessemos confiar.

Não muito mais tarde recebemos uma mensagem de Hamedi, um rapaz de 20 anos que mora com sua amável família e trabalha vendendo livros dos templos no Vale dos reis, um dos lugares turísticos aqui de Luxor, onde o conhecemos há dois dias. Ele não pode terminar seus estudos de colégio, porque precisou trabalhar para ajudar sua família, conhecendo a dureza de uma vida pobre desde menino, e mesmo assim fez a escolha de permanecer com o coração puro, se destacando no cenário turístico egípcio por sua inocência, honestidade e bondade.

Quando o conhecemos em meio a muitos vendedores no Vale dos reis, mesmo não interessados em seus livros, ele se disponibilizou a nos ajudar a encontrar a trilha na montanha que procurávamos. Mas nós, calejados da malandragem egípcia, dissemos não a princípio. Olhando para trás, fico tão feliz em lembrar que vi algo diferente nele e nos abrimos para conhecê-lo. A forma como cuidou de nós para que não pegássemos o caminho errado, porque estava genuinamente querendo ajudar, sem aceitar nenhum dinheiro em troca, me tocou. Cena rara, pessoa rara.

Ele nos convidou para conhecer seu vilarejo e sua família e nós o convidamos para passear de Felucca no pôr-do-sol, um barco a vela usado aqui desde a época dos faraós, nós topamos e ele topou. :)

Num vilarejo pequenino e simples, com plantações de banana, manga e trigo, próximo de onde estamos hospedados, chegamos a uma casa simples de barro, decorada por dentro com tons delicados de rosa e fotos de paisagens. Ele nos apresenta sua amorosa e tímida mãe, Najad, sua encantadora irmã Hendi, que está terminando seus estudos em comércio e um de seus dois irmãos, que está acabando seu serviço no exército egípcio.

Apesar de não falarem quase inglês, conversamos por horas e eles abriram não só as portas de sua casa com toda alegria, amor e hospitalidade do mundo, mas também as portas de seus corações.

Compartilhamos fotos de família, conversamos sobre a vida, sobre o governo, sobre o Brasil e nossa viagem, numa conversa simples e gostosa, onde as palavras foram o menos importante. O amor e a alegria de estar juntos foi crescendo enquanto tomávamos chá, e quando íamos embora, ela nos preparou um jantar com todo cuidado e amor e me deu um abraço tão apertado que me fez derrubar lágrimas, lágrimas de amor.

No seio de sua família deixei um pedaço de meu coração, que ficou transbordando de amor e carinho por essa querida família que não só nutriu nossos corpos com seu alimento, mas principalmente nossa alma com seu amor. E nesse dia de contradições, as contradições do Egito, de novo me dei conta da beleza da inocência e da presença de Deus, que respondeu da maneira mais linda e inesperada ao meu chamado.

Conhecer essa família foi conhecer o verdadeiro Egito, aquele por trás de todas as máscaras que vimos e o mais precioso que levo daqui.

As contradições geram movimento, dão vida e significado aos opostos e assim aprendemos a valorizar tudo aquilo que vivemos. E o amor, ah, o amor, tudo supera, vence qualquer batalha e derrete a tudo que alcança, derreteu toda raiva que senti e fez tudo valer a pena.

Ele cada vez mais me parece a melhor e mais poderosa solução que para os problemas que enfrentamos no mundo, nos permite estar vulneráveis e fortes, nos permite tirar as máscaras e encontrar com nós mesmos e com os outros num lugar de verdade que transcende qualquer palavra, raça ou religião.

 

O que mais posso dizer?

Mais amor, por favor.

Narjara

4 comentários:

  1. Lindo! Me emocionei. Vivi um pouco disso no Marrocos, mas não com tanta profundidade!
    Peço sua permissão para colocar um link para esse texto no meu blog. Acho uma linda reflexão e muitos deveriam ler! Parabéns pela experiência e por compartilhá-la! Um beijo

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  2. Oi Monica, sou muito grata pelo seu carinhoso comentário, adoraria ouvir mais sobre sua experiência no Marrocos também. Para mim foi muito tocante e ficarei muito feliz e grata se puder compartilhar com mais pessoas no seu blog. Se puder, nos passa o endereço assim podemos ler seus textos também. :) um beijo,

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    1. Oi Narjara, obrigada, ficarei feliz em compartilhar. É confortante encontrar pessoas com pensamentos e sentimentos semelhantes. Eu tenho 2 blogs:
      http://meuobservatorio.blogspot.com/ , onde eu escrevo um pouco sobre minhas observações sobre as pessoas, os lugares e a vida aqui na Suiça.
      Mas ultimamente estou me dedicando mais ao meu blog de informações de saúde para leigos, o http://saladeobservacao.blogspot.com/.
      Vou te mandar uma mensagem privada no Facebook para conversarmos mais. bjs

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  3. http://meuobservatorio.blogspot.com/2012/05/como-mudamos-o-mundo.html

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