Faz uma semana que pisamos em Johannesburg, sete dias de amor e dor, encontros e desencontros, medo e confiança, alegria e tristeza, surpesa e decepção, esperança e indignação... olhando para trás, em apenas poucos dias, a intensidade tornou a experiencia rica e ao mesmo tempo nos abriu um mundo que ainda não conhecíamos, e isso é apenas o começo, a ponta do iceberg.
De uma perspectiva de quem chega e experiencia só um pedaço desse bonito e antigo país, cheio de contradições, tradições e abrigo para diferentes culturas e raças, em um primeiro momento fica evidente que existe uma tensão presente no ar, nos sentimos constantemente viagiados, e sentimos que existe uma raiva pairando como uma nuvem por cima das movimentadas ruas das cidades.
Nos parece um ferida aberta, resultado de séculos de opressão, violência, exploração. De alguma forma, o simples fato de sermos brancos já nos torna alvo de observação. Mas as tensões são muito mais complexas e profudas do que a simples divisão brancos e negros, envolvendo uma intrincada diversidade tribal, racial, social, econômica e cultural. Está além do que conseguimos compreender em poucos dias, como estrangeiros, e está arraigada no DNA dos sul africanos, assim como expresso nas diferentes culturas e no retrato de sua história.
Além dos evidentes contrastes a nossa volta, também embarcamos numa profunda jornada interna. A partir do momento que chegamos, alguns de nossos padrões começaram a emergir expondo a essência do que queremos mudar em nós e em nossa relação. A tensão também ficou explicita entre nós, com atritos e faíscas. Isso por um lado tirou nosso chão desnudando-nos um perante o outro, mas também nos colocou num lugar lindo de vulnerabilidade e imperfeição, trazendo a tona o amor que nos une e as conversas que realmente importam para o nosso crescimento.
Que jeito de começar a viagem, já rasgando nossos egos e abrindo nosso peito para esse processo de morte e nascimento que está emergindo. Sabe, já não conseguimos distinguir o que é o processo individual, de cada um de nós, e a energia do lugar em que estamos. É como se tudo fosse uma linda dança em que os diferentes processos e energias se enlaçam, possibilitando que todos vivam o que precisam viver e recebam o que precisam receber no momento em que estão. Parece o plano perfeito para que possamos viver a perfeição da nossa imperfeição. :)
Nesses dias conversamos com pessoas de lugares diferentes, classes sociais e raças distintas. Visitamos muitos lugares interessantes, como o museo do Apartheid, uma excelente experiencia para conhecer o regime racista que governou o país por décadas e o contexto histórico que levou a isso. Também fomos conhecer a " township" de Soweto, uma bairro intencionalmente planejado para segregar os negros, removendo-os do centro da cidade. Vivenciamos brevemente uma das favelas de Soweto e suas condições de extrema pobreza.
Também vimos lugares incríveis, como o espaço cultural e sagrado de Credo Mutwa, que resgata algumas das tradições nativas, seus rituais e práticas de cura. Conhecemos o Hub Johannesburg - um espaços de inovação e empreendorismo social. Por fim visitamos o Berço da Humanidade (Maopeng), com escavações arqueológicas de quase 3 milhões de anos, com os primeiros sinais de hominídeos na face da terra.
Descobrimos que se falam mais de 20 línguas nesse país, que todos se entendem, mas nem sempre se respeitam. Vimos a cultura tribal ainda bastante presente e a raiva e mágoa que restaram do processo de colonização e do sitema do Apartheid, ainda estão distantes de desaparecer. As marcas de vitimização e injustiça que ficaram roubaram o protagonismo e a perspectiva de longo prazo de um povo que sofreu e ainda sofre de uma grande miséria economica, política, educacional e social. E deixou questões complexas como a Aids (por exemplo 30% da população de Soweto), o desemprego (que atinge 60% da população de Soweto), a corrupção e a ignorância, decorrentes da pobreza, da maternidade e do casamento precoces. Para ilustrar isso um pouco: Nos contaram que o atual presidente, Zuma, disse publicamente que não se contaminou com AIDS, porque tomou banho logo depois de ter se relacionado com uma pessoa contaminada. Como ele é da etnia Zulu, os Zulus agora acreditam que podem evitar o contagio do vírus se lavando.
Existem questões e conflitos muito evidentes, inclusive os próprios negros que eram unidos durante a época do Apartheid em torno de uma causa comum, agora lutam uns com os outros: os que se mantém pobres assaltam os ricos, os Zulus lutam contra os Xhosas... Ficamos nos perguntando o que ainda separa os Sul Africanos e impede que sejam uma nação unida para abraçar a prosperidade que lhes aproxima como uma nação em desenvolvimento.
Nos parece que apesar do regime racista ter acabado, os padrões de fragmentação e violência ainda estão presentes, agora em uma complexidade muito maior e parecem ser tão profundos e enraizados, que se transmite de geração em geração, se tornando um ciclo sistemico sem fim.
As belezas de um povo resiliente e capaz de sobreviver e superar séculos de humilhação e segregação estão presentes, mas ainda encobertas por tudo que viemos descrevendo acima. Em nossa humilde opinião, essa é uma das razões que impede que floresça uma nova Africa do Sul, que acolhe e pertence a todas as raças.
Já escutaram essa história? Ela se parece com muitas outras histórias de colonização e segregação no mundo todo, os portugueses e os índios no Brasil, os arianos e os judeus na Segunda Guerra, os Incas/Mayas e os Espanhóis na América latina... Essa história de subjugamento de alguns por outros que se julgam superiores, no fundo parte do medo de ambas as partes, dominado e dominador, que cega ambos colocando-os na inconsciencia de seus papéis que nutrem os dois lados de uma mesma moeda.
Até quando viveremos no ciclo da incosciência repetindo padrões de nosos ancestrais e criando uma realidade de dor, violência e escassez?
seguindo na jornada,
Na e Tho
Queridos, me emocionei com o depoimento! Força e energia nesta dolorida, mas maravilhosa jornada.
ResponderExcluirUm abraço bem apertado!
Cida Shiila
Cida, um abraço bem apertado pra você também. :)
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