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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Meu amor pela Africa

Não me lembro desde quando, mas desde que me conheço por gente tenho o sonho de conhecer a Africa. Não é um conhecer turístico, mas sim um conhecer em profundidade as pessoas, as culturas, os lugares... como se esse continente fizesse parte de mim, como se algo fosse se revelar para mim através dele.

Eu nunca consegui entender muito isso, mas não tentei muito, porque foi algo que brotou do coração e não da razão. Talvez já tenha vivido uma vida passada por aqui.

Quando era adolescente, junto com uma amiga da faculdade, a Auryana, sentamos tardes e tardes, conversando sobre nosso sonho de vir a Africa e mergulhar nas diferentes tribos. Tinha algo mágico, misterioso, uma sabedoria ancestral que buscávamos aprender, um desejo profundo de servir as pessoas que estavam em situações de muita miséria.

E agora, já pouco mais de dois meses aqui, vou contar um pouco de como está sendo a minha experiência da Africa, considerando os lugares por onde passei, África do Sul, Zimbabwe, Tanzania e Quenia. Sendo essa, uma das muitas histórias que se pode contar de um continente mágico, controverso, complexo, sofrido, e acima de tudo lindo em todos os sentidos.

Querida Africa, terra que deu luz a humanidade, onde a nossa história humana teve início; terra rica em diamantes, ouro, ferro, solo fértil, incrível beleza natural, extraordinária diversidade cultural... desertos, florestas densas, savanas por perder de vista, montanhas e praias. Terra dos grandes mamíferos, onde os animais convivem com os humanos, nem sempre com um final feliz.

Terra que abriga aproximadamente 1 bilhão de pessoas, falando mais de 1000 diferentes línguas, no continente mais diverso cultural e etinicamente do mundo. Conhecemos Xhosas, Zulus, Basothos, Ndebeles, Shonas, Samburos, Turkanas, Maassais, Agikuyus, Luos, Iraqws, Barbaiks, Sukumas e muitos ainda conheceremos.

Terra de diferentes tribos, diferentes línguas, diferentes culturas e diferentes histórias algumas felizes, outras nem tanto. A vida na cidade, a vida no campo, duas realidades tão diferentes hoje representando o que é a Africa. Em muitas das capitais as pessoas vivem como em qualquer outra cidade do mundo, ainda com muita pobreza e pouco desenvolvimento urbano, mas com mais acesso a educação, recursos de moradia e saneamento que no campo.

Já no campo o que vimos foram pessoas vivendo em comunidades e vilarejos, com uma vida dura de plantar, colher, andar kilometros pra buscar água, quando tem, e mais kilometros pra levar os animais pra pastar, quando os possuem.

As comunidades rurais são normalmente muito pobres, com casas feitas de barro, sem saneamento básico e água potável. As pessoas são extremamente acolhedoras e afetivas com visitantes e abrem suas casas pra te receber, assim como seu coração, compartilhando o que tem e sua história.

É uma honra receber visitas na maior parte dos lugares aqui, e como dizem, um lar que não recebe visitantes é um lar morto. Os vilarejos são repletos de crianças, que vem correndo curiosas quando chegamos. Algumas vem sorrindo até você para tocar suas mãos, outras mais tímidas ficam olhando a distância, e ainda outras se assustam com a sua chegada.

Por onde passamos, cada mulher tem entre 5 e 8 filhos, em algumas comunidades os homens podem ter quantas esposas quiser, que colaboram entre si, se apoiando nas tarefas domésticas e na criação dos filhos. Quando contei que somos monogâmicos para uma das mulheres, ela me perguntou porque alguém não gostaria de dividir o marido?

Entendi sua pergunta, porque nesse contexto, na maior parte das tribos que passamos, quando a família não foi convertida cristã, as mulheres não tem escolha com quem casar, são os homens que escolhem as mulheres e as famílias negociam o dote para entregar suas filhas. Na maioria das culturas o homem é considerado superior, fazendo com que a maioria das mulheres sejam submissas e muitas vezes abusadas pelos homens. Mas são elas quem sustentam a casa e fazem todo trabalho em muitas famílias, enquanto os homens conversam uns com os outros, jogam etc. Então, imagino que deva ser bem melhor poder dividir esse fardo com outras mulheres, ainda mais que o casamento grande parte das vezes não é por amor.

Em muitas culturas para virar homem, o menino passa por um ritual dolorido e perigoso de circunsição e em algumas culturas as mulheres também. Tentamos entender o porque disso, e descobrimos que pra eles é muito importante ser reconhecido como homens pela tribo e passar por essa provação. Para as mulheres parece ser algo não muito questionável, é simplesmente como é. Muitas crenças e medos permeam as diferentes culturas impedindo que mudem os costumes e o ciclo continua passando de geração em geração.

Comida nem sempre está disponível, principalmente nas épocas de seca, nesses momentos as famílias se ajudam para sobreviver. As crianças tem um papel importante nas famílias, elas ajudam em todos os trabalhos domésticos desde muito pequeninos. Tocam os animais, lavam roupas, cuidam dos irmãos e ajudam com a comida, e com sorte poderão frequentar a escola. Os que frenquentam escolas, muitas vezes andam kilometros e kilometros pra chegar todos os dias. É de partir o coração ver os pequeninos trabalhando tanto, mudou completamente minha visão do que é ser criança aqui, mas para eles parece ser normal e para as famílias é uma questão de sobrevivência.

Além disso, muitas tribos são nomades, dificultando a educação das crianças, o que ainda é um sério problema na Africa e um dos principais motivos que impede o desenvolvimento de muitos países por aqui, na minha opinião.

Por tudo isso, viver o agora, o momento presente é uma das características que notamos em muitos africanos. A comida na mesa é o mais importante no fim do dia, o futuro está distante e incerto, por isso não há muita visão de longo prazo, nem planejamento. Uma das consequências disso é que parte da terra foi destruida em queimadas, no corte de árvores pra resolver o hoje e agora a terra já não é como antes e não mais oferece o que poderia.

O coração do continente que ainda sofre com fome, miséria, doenças e violência, transpira doçura, resiliência e força de um povo que tem uma história sofrida, mas que mesmo assim vive feliz com o que tem.

Essa terra que um dia foi descoberta, explorada e colonizada por europeus, tem seu povo resiliente que sobreviveu e continuou lutando com força e fé por sua indepedência, igualdade e liberdade. Finalmente conquistada em alguns países, mas não sem dor, nem sem mortes. Luta que ainda continua em muitos países que conquistaram sua indepedência dos colonizadores, mas ainda não de seus ditadores.

Povo que aprendeu o lugar de ser colonizado, que precisou calar sua voz, abaixar a cabeça e se submeter, povo que pensou ser inferior, que aprendeu a ter vergonha do não saber, e esqueceu o seu saber... povo que um dia entregou sua liberdade, mas que aos poucos está reconquistando-a, junto com sua dignidade.

Fome, miséria, ignorância, violência estão presente em todos os lugares que a vista consegue alcançar, assim como a bondade, o afeto, a beleza das diferentes cores e a riqueza dos diferentes sabores culturais. Ah, contradição facisnante e dolorida que sacode meu coração... tristeza, compaixão, indignação... Qual seria a solução?

Num continente invadido pela corrupção, do guarda na estrada ao presidente, todos querem a sua parte. Muita ajuda internacional que pouco faz, a não ser alimentar e reforçar o ciclo da corrupção. Grande parte do dinheiro recebido, pouco chega onde realmente precisa, porque no caminho vai enchendo muitos bolsos.

E a grande pergunta é: Uma política assistencialista ajuda a desenvolver um país ou o torna mais dependente?

A história do dar o peixe ou ensina a pescar está muito presente pra mim aqui. Em um continente que foi colonizado, onde as pessoas perderam seus direitos, sua terra e foram desempoderadas, assistencialismo só reforça esse lugar, alimenta o ciclo da dependencia. E quando não tiver mais ajuda de fora?

Empoderar as pessoas para que redescubram seus talentos, seu poder de escolha e recuperem sua auto-estima, em minha opinião, pode sim ajudar muito mais a desenvolver um povo para que prospere e conquiste uma vida digna.

Mas a pergunta que não quer calar é: Será que internacionalmente existe algum interesse em que a Africa se desenvolva de verdade, ou manter a dependência é conveniente?

Na 'industria' da ajuda humanitária muitos se beneficiam, exceto quem realmente precisa. Benefícios monetários e também psicológicos, muitos empregos e muitas pessoas se sentindo melhor, porque estão fazendo 'bem'. Isso não está ajudando a Africa a se desenvolver, pelo contrário, mais corrupção e dependência. Em muitos lugares que estivemos, as pessoas veem brancos como provedores de ajuda, de dinheiro, de saber...

Conhecemos muitos projetos e pessoas que realmente estão fazendo a diferença na vida das pessoas, alguns estrangeiros e muitos locais também, o que me deu muita esperança. Apesar de ainda haver muitos conflitos entre tribos, guerras civis, ditadores, corrupção, miséria e pouca educação, o que contribui para as coisas ficarem como estão, por outro lado, vejo muita esperança e potencial nas pessoas, força e resiliência o que pode levar a Africa a ser um exemplo de sucesso e prosperidade para o resto do mundo, superando esses desafios hoje presentes.

vivendo cada dia intensamente,

Narjara Thamiz

 

4 comentários:

  1. Narjara, cada post seu é uma gota de amor, que nos faz refletir sempre o que de fato, está acontecendo no mundo e quais são as reais batalhas que enfrentamos.
    Obrigada por compartilhar todas essas histórias e pensamentos.
    Um grande beijo, Heidi

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    1. Oi Heidi, que bom te ver aqui. Tenho me apaixonado por escrever e quando vi seu comentário, sincero e profundo, toca meu coração e faz essa paixão ganhar mais sentido ainda. Obrigada por compartilhar! Com amor e saudade, Narjara

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  2. Narjara, quanta sensibilidade!Seu olhar profundo sobre a realidade que a faz encontrar sentido e viver intensamente, se torna provocação e estímulo para que outros olhem além de si mesmos!Deus a abençoe Ir.Aidê

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    1. Oi Aidê, quanto tempo! Que saudades. Como você está? Obrigada pelo amor e pela profundidade do seu comentário, como disse para a Heidi acima, tenho me apaixonado por escrever e quando vejo comentários como o de vocês, toca meu coração e minha alma e faz essa paixão ganhar mais sentido ainda. Obrigada! um grande beijo, Narjara

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